" Quando me ponho a compor frases e rimas, não sou mais eu a pensar, mas a Alma de Poeta que cisma em fazer giros no ar..."


domingo, 1 de maio de 2011

Fazendo literatura

Neste Dia do Trabalhador, um abraço especial aos amigos operários das letras. Aos escritores, poetas, trovadores, músicos, historiadores, contadores de histórias... a estes cidadãos e muitos mais, que, com esforço e senso de compromisso, constroem o futuro da sua família e de seu país. Trabalhar é movimentar a Vida, é dispor da individualidade em benefício do todo.

José Saramago dizia que o processo criativo não tem nada a ver com inspiração, com a angústia da página em branco. Para este mago das palavras, Prêmio Nobel 1998, literatura é trabalho.

Pois, que, literatura é isto, essa fábrica de idéias desvendadas. Uma rica combinação de intenção e suor. Pensa, escreve, pesquisa, copia, cola, deleta... ações cotidianas dos dedicados a revelar o filme que nasce no imaginário em prosa, verso e em seus diversos gêneros.

Nas palavras de uma amiga escritora, literatura é uma eterna provocação. Para alguns, permear um texto com citações é incorrer em plágio, mas o que faz o escritor senão provocar reações, despertar a necessidade de uma réplica, quiçá uma tréplica. Uma obra publicada, intencionalmente ou não, transforma-se em fermento para novas obras, nascidas das mentes de estudiosos, inconformes e admiradores.

Fazer literatura é representar em forma o que lhe vai à alma, e, ao publicar, permitir que o leitor dê sua interpretação, de acordo com o que lhe vai à mente. Nessa "tradução", o leitor cria uma nova obra, inédita, muitas vezes "intraduzível" em palavras, mas riquíssima em sentimento.

Bel Plá

carta

CARTA PARA DEUS

      Pai,
      Me deu uma vontade de falar contigo! Faz muito tempo que a gente não se encontra. Eu sei, a culpa é minha, tu sempre tens tempo para teus filhos. Mas tenho andado tão ocupada! Vai soar como uma desculpa, mas eu não tenho conseguindo achar tempo. Na verdade, eu tentei. Mas não achei as palavras certas. Sempre ouvi que para falar com Deus não precisava usar palavras bonitas, mas em todo lugar que procuro só acho orações com palavras complicadas. Fiquei com medo de não ser entendida.
      Está bem, continuo com evasivas. A verdade é que eu queria mesmo era abrir a alma. São tantas as perguntas que eu queria fazer, até já ensaiei no pensamento. Pensar é mais fácil, né? Mas quando a gente tenta passar para o papel, complica um pouco. Vai ficar registrado, e é melhor usar de sinceridade. Então, aqui, diante de ti e de teu reino, eu confesso. Andei distante por falta de coragem.
      Sabe, eu não tenho sido muito correta, tenho tido lá minhas faltas, é difícil admitir. E agora, eu te dizendo isto, podes prontamente me inquirir: “Mas se sabes o que deves fazer, por que não fazes?” Fico pensando se não me acharão meio lunática, falando desse jeito com Deus e acreditar mesmo que ele vai me responder com toda essa intimidade, até me chamando de tu...
      Mas me sinto mais à vontade de falar contigo assim, como se eu estivesse agora, puxando um banco e me sentando do teu lado, tu me ouvindo e deixando eu expor minhas idéias. Eu sempre fui de falar muito, usar argumentos convincentes. Mas agora, aqui, estando ao teu lado, como um velho amigo e companheiro, as palavras me faltam. Sempre ouvi falar que és onisciente. Acho que deve ser mesmo verdade, porque diante de ti sinto-me tentada a calar-me. Começo a pensar e parece que já sabes tudo que se passa.
      De todos os teus atributos, o que mais me impressiona é a onipresença. Não sei explicar como isso acontece, mas tenho a certeza que, onde quer que eu esteja, estás ali a me orientar. Às vezes, estou tão concentrada nos assuntos do mundo material, que nem consigo entender direito as tuas dicas e me perco. Ainda assim, sinto tua presença e teu amparo. Tenho certeza que não estou sozinha. Sei que vou tomar a direção errada e arcar com as consequências, mas ainda assim, segurarás firme a minha mão e apontarás o caminho.
      Essa confiança tem sido meu leme. É ela que está me fazendo vencer o medo de chegar diante de ti e confessar que tenho sido omissa. Diante da tua onipotência, percebo o quão distante da real coragem me encontro, e caio de joelhos. Não para me humilhar, pois sei que és puro Amor e Bem e cada filho teu é o mais amado. Mas para, rente ao chão, poder reduzir o ego a um nível tão ínfimo, que minha verdadeira natureza possa finalmente se manifestar e conseguir captar tua sábia orientação.
      Para falar bem a verdade, mesmo, hoje nem precisas mandar dica nenhuma. Andei meio preguiçosa e desperdicei umas quantas oportunidades de aprendizado. Depois, com tempo, vou vasculhar nas gavetas da memória e examinar cuidadosamente o que guardei desleixadamente, tenho certeza que já será de grande valia para enfrentar estes mares revoltosos. Por agora, me contento apenas em ficar aqui, debaixo deste céu noturno, coberto de estrelas, sentindo este ventinho de início de outono, sentindo-me confortada por estar merecendo que me olhes com teu olhar amoroso.

      Obrigado, Pai, por nunca desistir de mim.
      Bel Plá.