" Quando me ponho a compor frases e rimas, não sou mais eu a pensar, mas a Alma de Poeta que cisma em fazer giros no ar..."


Crônicas

  Considerações sobre o silêncio.

  Minha amiga suíça voltou de Tóquio nesta madrugada. Ela é comissária de bordo e viaja pelo mundo, entra em contato com muitas culturas diferentes. Ela disse que ficou impressionada com a viagem de trem que fizera por duas horas. As pessoas em completo silêncio, ninguém falava. Às vezes, dava vontade de dizer alguma coisa, e ela não resistia e começava um papo com a colega ao lado, mas logo muitos outros passageiros se viravam rápido e olhavam para elas como que reprovando, soava como um sshhhh... e elas se calavam.
      Ela me perguntou ou que eu faria nessa situação, brinquei e disse: seria bom para meditar. Certamente, eu aproveitaria para meditar.
      A humanidade, nos dias de hoje, necessita silenciar suas vozes. Refletir mais. As pessoas não estão acostumadas a calar, falam mais do que pensam, ou do que ouvem, e isto reflete-se num desatinar-se de ações contínuas irrefletidas. Como agir com sabedoria se não conseguimos parar para ouvir a voz interior?
      Minha amiga, ao contrário, revelou-me que sentiu-se triste, ao invés de inspirada, naquele trajeto extremamente silencioso. Ela convive com amigos de diversas nacionalidades, entre eles os brasileiros, que são muito expansivos, festeiros, “barulhentos”. Gosta de sua alegria e sua maneira descontraída de viver. No que concordo e admiro. Sou brasileira, gaúcha, e adoro “ajuntamentos”. Encontros com amigos, colegas ou familiares, onde se mata a saudade, se troca idéia ou simplesmente se convive “numa boa”.
      O pensamento budista de Sakyamuni prega o caminho do meio como a saída para todos os conflitos. Muitas pessoas interpretam o modo de viver que segue o “caminho do meio” como acomodação, alienação, viver em cima do muro. Porém, a vivência, tanto em nível individual como no relacionamento entre nações, tem nos mostrado que atitudes mentais voltadas aos extremos nunca nos conduzem a ações que visam o bem comum. Uma linha esticada demais tende a rebentar e a mesma linha frouxa em demasia não dá apoio nenhum. Uma postura correta ante às situações que se apresentam no dia-a-dia, que nos afasta dos extremos e nos leva ao equilíbrio, esta sempre conduz a desfechos harmoniosos e sadios.
      Eu não saberia como transmitir todos esses pensamentos, utilizando meu inglês escasso. Por isso respondi a ela, em poucas palavras: I like the silence, but not all the time. (Eu gosto de silêncio, mas não o tempo todo). 
Bel Plá           


 Direção Defensiva da Vida
Para conduzirmos o rumo da nossa vida de maneira a evitarmos causar danos a nós e às pessoas com quem nos envolvermos, precisamos seguir algumas “regrinhas” que se assemelham à boa condução de nosso veículo.
     Pelas estradas da vida, devemos seguir sempre à direita, isto é, seguindo o rumo do Bem, e quando precisarmos fazer ultrapassagens precisamos sinalizar e proceder com a máxima segurança. O outro merece nosso respeito e consideração, e agirmos “escondendo nossa intenção” poderá tirá-lo da pista, ou, pior, levá-lo, mesmo que contra a sua vontade, a chocar-se conosco. Se a faixa for contínua, é porque ele está precisando de espaço, vamos manter uma distância necessária até que ele esteja pronto para a aproximação, pra que a pressa? Ultrapassar na curva é arriscar perder o equilíbrio, é preciso estar sereno para tomar decisões importantes, dessas que podem mudar radicalmente a direção que estivermos seguindo. Cautela! Pista adversa, do tipo molhada, com óleo, ventos fortes: reduza a velocidade! Vai dar tempo pra colocar as idéias em ordem, às vezes até uma reduzida no ritmo pode ajudar para que, logo após, possamos atingir a velocidade máxima permitida.
     Quando chegarmos a um cruzamento precisamos ter o máximo de atenção, este é o ponto onde vão afluir os mais diferentes tipos de personalidades, cada qual tendo em mente uma manobra diferente. Uns vão querer seguir em frente, devem ter preferência  para isso, vai haver os que desejarão converter à direita ou à esquerda, estes precisarão usar o bom senso para não colidir, pois o resultado poderá ser conflitante. Igualmente perigoso é estacionarmos nesse ponto, a Vida é dinâmica e exige uma tomada de posição. Cada manobra errada está sujeita à penalidades, vivemos todos guiados pela Lei do Universo, e, ao infringirmos os direitos dos outros, poderemos até ter suspenso o nosso direito de circular. Os hospitais andam cheios de maus condutores de suas vidas, não é mesmo? Algumas faltas são leves ou médias, e rapidamente são sanadas. Mas algumas, graves ou gravíssimas, além de causar grandes prejuízos às demais pessoas, ao convívio social, ao meio ambiente, também poderão nos impor uma reciclagem de nossos valores. E ainda tem quem use de sua licença para cometer verdadeiros crimes, aí só com uma reclusão para fazer voltar à razão. Temos total responsabilidade por nossos atos.
     “O que estou fazendo com o rumo da minha vida? Para quem estou emprestando o meu volante? Cadê a minha consciência? Se me foi dada uma permissão para dirigir minhas ações, preciso zelar por ela. Ou vai custar muito caro da próxima vez”.
     E quando  precisarmos passar por uma prova, não vamos nos assustar. Temos fé. Estamos bem preparados e tivemos a melhor orientação. É preciso auto-confiança para não perder a tranquilidade, basta escolher a alternativa mais coerente.

Trânsito, prepare-se, que nós estamos chegando para fazer a diferença, dando verdadeiras aulas de Consciência sobre Rodas!

(este texto fiz em homenagem à profa. Lucia, do CFC CPR, uma verdadeira mestra, que passa para as turmas de alunos, além de conhecimento e experiência na condução de veículos, lições de humanismo e responsabilidade para com a Vida. )



   A FREIRA NO MAC DONALDS
Fico me perguntando quantas pessoas já tiveram a oportunidade de presenciar  uma freira, relativamente  idosa, sentada à uma mesa do Mac Donalds degustando um lanche do cardápio, e bebendo um copão de Coca-Cola. Claro que não é impossível, mas, vamos combinar, não é lá algo que combine. Pois eu não só vi, como sentei-me na mesa ao lado.
    Fiquei realmente surpreso, pois seria a última pessoa que eu imaginaria encontrar nesse ambiente, juntamente com uma cambada de garotinhos barulhentos, um casal de namorados só-love e eu, alguém que entrou ali por falta de opção de refeição no final de um dia de espera no aeroporto.
    Sou um cidadão do mundo, um incorrigível observador, não me espanto com nada, mas me digam ora bolas por que, inesperadamente, desandei-me a rir sozinho. Ri tanto, que fiquei com vergonha, pois chamei a atenção das outras pessoas que ali estavam e os das lanchonetes vizinhas que compartilhavam a Praça de Alimentação , as quais me olhavam com curiosidade. Será que pensavam: -“ Coitado, de tão cansado, pirou na batatinha...” Ou –“ Cara insensível, rindo tanto, com tanta desgraça acontecendo”
    Desisti de pensar nas opções, pois só tendia a piorar. E a vontade de rir não passava. Na minha cabeça, eu imaginava a iluminada senhora, a rezar...
“Oh, Deus, eu agradeço ao Senhor pelo delicioso Big Mac, batatas fritas e Coca Diet que o senhor me proveu! Oh, e, Senhor, quase esqueci de agradecer ao Mac Sorvete. Amém”.
(do Diário de Viagem de Eric)
Bel Plá


"Eis que me surge, do longínquo passado, uma imagem difusa de um casalzinho caminhando pelas ruas de uma cidadezinha do interior, mas do interior mesmo, aquele interior que quando alguém pergunta- onde é mesmo, alguém põe em dúvida - será que existe mesmo... pois o dito casalzinho, à parte do que se possa duvidar ou não, vem na maior calma, no maior "love", fazendo juras de amor eterno, do tipo -onde andavas até agora que nào tinha te visto -, ou - olha as estrelas, elas são testemunhas do nosso amor.
Pois eis que, ao dobrarem a esquina, absortos que estavam no romântico enlevo, não perceberam um vulto, que ao longe se divisava e, que aos poucos, pela pouca claridade da rua favorecida por alguns postes de luz, ia se aproximando a passos largos. Tão logo a imagem foi ficando mais clara e revelou a fisionomia do sisudo senhor, quase que num gesto autômato, o casalzinho largou as mãos e assumiu uma postura de velhos conhecidos. Ao cruzarem com a figura que causou tamanho descompasso e flagrante mudança nas atitudes, apenas o cumprimento quase num suspiro - Oi, pai...; - Boa noite, seu Fulano.
Alguém respirou? O que é isso? O ar ficou contido na garganta, e, como num nó, ali ficou suspenso por alguns looongos minutos, até perceber que o vulto dobrava a esquina, impassível.
- Uffa, por essa escapamos, melhor cada um ir para o seu lado, amanhã mando recado pela Aninha, quem sabe a gente consegue se ver no recreio ..."



A NATUREZA CHORA...

      Onde fica escondida a tal de consciência?
      Essa tão exclamada consciência, que nos coloca num patamar mais elevado no caminho da evolução humana.
      Chutando quilos de santinhos e de bandeiras espalhadas pelas ruas, pelos gramados e avenidas, como se fora um triste andor caído, cidadãos rumaram até sua sessão eleitoral, numa estranha procissão.
      Papéis que foram jogados na noite anterior, para assinalar o término da campanha eleitoral, num ritual assemelhado a um carnaval ultrapassado.
      Jogados ao vento, na correnteza de uma sarjeta, fragmentos de um modelo insustentável, testemunhas incontestáveis de uma necessidade urgente de tomada de consciência.
      A natureza chora...
      ... e a alma do poeta também chora...
      Mas, não perde a esperança.
 


 PAI E FILHO NO BANHEIRO DO AEROPORTO

Uma hora da manhã, aeroporto quase vazio, apenas algumas filas para viagem internacional,um passageiro solitário vagueia pelos corredores, arrastando suas bagagens pelo imenso corredor. Os pés doem, e vai batendo aquele sono e a vontade de chegar em casa logo. Sem falar na incerteza se haverá lugar no vôo. Olha em volta e as caras que vê denunciam que outras pessoas também não estão lá muito confortáveis. Longe de consolar, isto só lhe aumenta as dúvidas se este dia sem fim será prolongado.
    Não se sabe se foi o relógio interno ou o despertador do celular que soou, mas a lembrança de precisar tomar um remédio com hora marcada o leva até o banheiro masculino. Vai em busca de água pela qual não seja obrigado a pagar, pois a estadia de um dia inteiro fazendo “refeições” em lanchonetes do aeroporto mostraram-lhe o quão caro pode ser tentar manter-se alimentado num local desses.
    Ao chegar ao banheiro, procura uma pia, e logo na entrada o aviso de “intruso” é acionado. Vê-se subitamente invadindo um colóquio  familiar muito reservado. Um menininho de 4 anos tenta explicar ao seu pai por que fez o que fez em suas pequenas calças. Crianças são mesmo uns seres tão puros, que, mesmo a situação sendo bastante engraçada, nos enche de ternura ao ouvir suas explicações sobre os fatos que ocorrem de forma natural.
    Segue o diálogo familiar:

- Papai, você sabe por que eu fiz popô? Pergunta o menininho.
- Por quê?
- É porque, sempre antes de eu fazer popô, eu faço pum-pum. Mas desta vez eu não fiz pum-pum, então eu não sabia que ia fazer popô, então eu não pedi pra você pra vir no banheiro.
Papai ri.
(Do Diário de Viagem de Eric)
Bel Plá


 A FONTE DA JUVENTUDE

            Estive, nesta sexta-feira, em tarde festiva, em comemoração ao aniversário da minha amiga Marísia Vieira, presidente do CLIPE- Centro Literário Pelotense e membro da Academia Sul- brasileira  de Letras.
            Rimos muito, contamos novidades, nos emocionamos com as homenagens carinhosas da aniversariante. A casa de chá estava lotada, mesas foram agrupadas umas às outras para melhor acomodar tantas amigas e colegas. Pessoas que foram sendo cativadas e passaram a fazer parte de uma imensa família.
            Seu rosto, emocionado, quando foi cantado o Parabéns a Você, irradiava felicidade. Como queixar-se de solidão, quando se utiliza com sabedoria a capacidade natural de sorrir, de fazer amigos, de ouvir, de dar uma palavra de consolo ou de puxar a orelha na hora certa? Somente quem vive o amor no seu cotidiano, como se fosse uma jardineira espalhando sementes de generosidade, consegue  ter a graça de obter tão farta colheita.
            Durante umas duas horas de uma tarde onde o sol torrava, desfrutei da companhia agradável de um grupo de pessoas que beirava ou adentrava a tão estudada e catalogada Melhor Idade. Nem todas estavam desfrutando de plena saúde física, algumas até comentaram sobre tratamentos ou exames a serem feitos. Talvez a maioria tivesse problemas a serem resolvidos para ontem, contas a pagar, cheques a cobrir, e quase a totalidade utilizasse para seu sustento a mesma aposentadoria do governo que o restante da população.
            Eram pessoas comuns, com problemas comuns, mas com algo incomum em comum: mente ativa e inquieta, alegria, gosto pela vida, olhar curioso e inconforme, próprios do poeta, do artista, do pensador.
E nos gestos, e em cada palavra dirigida, nessa grande orquestra de vozes e risos, que se podia ouvir lá da calçada, uma grande dose desse elixir, incansavelmente procurado por todos, que dá esse vigor, essa beleza própria de um viver bem vivido, que só a Idade da Sabedoria consegue  revelar naturalmente.
Saí de lá me sentindo mais viva do que nunca, criativa e valorizada, tendo bebido em taças do elixir da Fonte da Juventude: a generosidade.
Bel Plá

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