" Quando me ponho a compor frases e rimas, não sou mais eu a pensar, mas a Alma de Poeta que cisma em fazer giros no ar..."


quinta-feira, 29 de março de 2012

A casa de Rubem Alves- Jardins

      "Menino, os jardins eram o lugar de minha maior felicidade. Dentro da casa os adultos estavam sempre vigiando: “Não mexa aí, não faça isso, não faça aquilo...“ O Paraíso foi perdido quando Adão e Eva começaram a se vigiar. (...)
      Havia uma jabuticabeira que eu considerava minha, em especial. Fiz um rego à sua volta para que ela bebesse água todo dia. Jabuticabeiras regadas sempre florescem e frutificam várias vezes por ano. Na ocasião da florada era uma festa. O perfume das suas flores brancas é inesquecível. E vinham milhares de abelhas. No pé de nêspera eu fiz um balanço. Já disse que balançar é o melhor remédio para depressão. Quem balança vira criança de novo. Razão por que eu acho um crime que, nas praças públicas, só haja balancinhos para crianças pequenas. Há de haver balanços grandes para os grandes! Já imaginaram o pai e a mãe, o avô e a avó, balançando? Riram? Absurdo? Entendo. Vocês estão velhos. Têm medo do ridículo. Seu sonho fundamental está enterrado debaixo do cimento. Eu já sou avô e me rejuvenesço balançando até tocar a ponta do pé na folha do caquizeiro onde meu balanço está amarrado!"
Rubem Alves (Correio Popular, Caderno C, 01/07/2001.)

segunda-feira, 19 de março de 2012

crônica

Considerações sobre o silêncio.

  Minha amiga suíça voltou de Tóquio nesta madrugada. Ela é comissária de bordo e viaja pelo mundo, entra em contato com muitas culturas diferentes. Ela disse que ficou impressionada com a viagem de trem que fizera por duas horas. As pessoas em completo silêncio, ninguém falava.....
Quer ler mais? clique no link abaixo, da página de crônicas de minha autoria. 
http://belalmadepoeta.blogspot.com.br/p/cronicas.html

quarta-feira, 14 de março de 2012

14 de março- Dia da Poesia, Dia de Castro Alves


"De que é feita a poesia? De alguma substância imaterial e indefinível que nos arrebata , vem de um universo onde muitas palavras audíveis ainda nem foram criadas, e nos expõe de uma forma que é impossível controlar, ganha forma, e meio que se desvirtua, de tão inadaptável que é, cria laços, rompe barreiras, de tão intensa que é, a poesia é o amor manifestado em versos, num pulsar tão fremente como um coração apaixonado e ao mesmo tempo tão calmo como é o som da nossa alma quando está em paz."

Esta prosa poética está na minha página Alma de Poeta do facebook
http://www.facebook.com/pages/Alma-de-Poeta/207536142626355
Visite e veja outras composições. Abraço!

domingo, 11 de março de 2012

artigo


Vivendo e aprendendo


Viver é uma experiência que acontece espontaneamente, ninguém pensa que está vivendo ou que os próximos instantes serão exatamente desta ou daquela forma. Não se decide que agora está na hora de respirar ou que em um determinado local do corpo está precisando de uma dose maior de um determinado nutriente. A Vida que anima nosso organismo se encarrega dessa distribuição e direcionamento das forças vitais.
Nesta fantástica experiência que supera qualquer entendimento, temos uma parcela de compromisso com o fazer acontecer, e isto nos é assegurado pelo livre-arbítrio. Somos seres dotados de um nível de consciência bastante elevado, e quando esta está um tanto quanto embotada, ficamos envolvidos num torpor que nos dificulta uma interpretação correta da realidade. E passamos a aceitar uma “sobrevida”, atribuindo possíveis infortúnios à ação invasiva dos outros ou à “vontade de Deus”, de uma forma passiva e relativamente cômoda.
Por isso precisamos sempre de treinamentos diários, para voltar a nos maravilharmos com as coisas que viraram banais, como olhar fundo nos olhos dos filhos, observar a maravilha natural que é uma gota de orvalho, prestar atenção nas pequenas gentilezas que nos fazem. Tudo isso passa varrido se nossa mente estiver sempre atribulada, só habituada no "ir atrás", correr atrás da máquina.
Pode parecer que tenhamos muitos outros objetivos importantes na vida, mas qualquer um que não seja manifestar nosso Deus interior é secundário, é consequência. Somos Vida, somos Amor, somos Sabedoria. Somos seres divinos, e, comportando-nos como tal, todo o mais que desejarmos vem em acréscimo, já nos dizia o grande mestre Jesus. Nossas experiências materiais são para o aprimoramento da nossa alma, que precisa se polir com o atrito resultante dessas experiências, especialmente vividas com outras pessoas.
Mas o esteio da vida é o Amor, e ele deve ser vivido, em primeiro lugar em nosso lar. Amar é acreditar que o outro é Bom por natureza, que pode fazer coisas boas e cada vez melhores. É apostar no filho, incentivar quando ele acha que não tem capacidade, elogiar quando ele acertar, dar um tempo útil ao filho, mesmo que por pouco tempó, que seja verdadeiramente com ele, no futuro ele vai precisar dessas horas que passou com o pai ou com a mãe como incentivo à coragem e autoconfiança. Quando o mundo lhe disser: -Não consegues, de dentro vai vir a certeza: -Vai, que dá! eu acredito em ti!
Bel Plá

quinta-feira, 8 de março de 2012

A todas as mulheres...

QUEM É VOCÊ, MULHER?

Quem é você, mulher, que tem em suas mãos o poder de toda transformação? quem é você, mulher que faz de um pequeno lugar um ninho de amor e afeição? Quem é você, mulher, que abriga dentro de si o calor do afeto, a força do universo e a mansidão do amor? Quem é você, mulher, que é capaz de sorrir, quando sente vontade de chorar, que é capaz de calar, quando quer falar; que é capaz de rezar, quando custa a crer? Quem é você mulher, que acredita no amor, quando à sua volta reina desamor; que é capaz de amar, quando todos ensinem a odiar; que busca sem trégua a verdade, num mundo de mil mentiras, que é capaz de perdoar, quando todos querem condenar? Quem é você, mulher, que afaga, que critica, que repreende, que educa, que defende, que incentiva, que corrige e que ensina a orar? Você repete sim à verdade, você repete sim à paz, você repete sim à coragem, ao carinho, à fé e ao amor, porque você é carinho, é dedicação, é fé, é união, é coragem, é amor e, sobretudo, porque você é mulher!"
Autor: ( Marinês N. G. Prado )

quinta-feira, 1 de março de 2012

imagem- felicidade clandestina


Felicidade Clandestina- conto de Clarice Lispector

       Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
       Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
      Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
      Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
      Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. 
      Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu nao vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
      No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
      Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte"com ela ia se repetir com meu coração batendo.   
      E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
      Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
      Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
      E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
      Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
      Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
       As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
      Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.